sábado, 2 de novembro de 2013

Lembranças de morrer

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
 Que o espírito enlaça à dor vivente,
 Não derramem por mim nenhuma lágrima
 Em pálpebra demente.

 E nem desfolhem na matéria impura
 A flor do vale que adormece ao vento:
 Não quero que uma nota de alegria
 Se cale por meu triste passamento.

 Eu deixo a vida como deixa o tédio
 Do deserto, o poento caminheiro,
 – Como as horas de um longo pesadelo
 Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

 Como o desterro de minh’alma errante,
 Onde fogo insensato a consumia:
 Só levo uma saudade – é desses tempos
 Que amorosa ilusão embelecia.

 Só levo uma saudade – é dessas sombras
 Que eu sentia velar nas noites minhas…
 De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
 Que por minha tristeza te definhas!

 De meu pai… de meus únicos amigos,
 Pouco - bem poucos – e que não zombavam
 Quando, em noites de febre endoudecido,
 Minhas pálidas crenças duvidavam.

 Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
 Se um suspiro nos seios treme ainda,
 É pela virgem que sonhei… que nunca
 Aos lábios me encostou a face linda!

 Descansem o meu leito solitário
 Na floresta dos homens esquecida,
 À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
 Foi poeta - sonhou - e amou na vida.

 Sombras do vale, noites da montanha
 Que minha alma cantou e amava tanto,
 Protegei o meu corpo abandonado,
 E no silêncio derramai-lhe canto!

 Mas quando preludia ave d’aurora
 E quando à meia-noite o céu repousa,
 Arvoredos do bosque, abri os ramos…
 Deixai a lua pratear-me a lousa!

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